quinta-feira, 27 de março de 2014

Por que não é tecnicamente correto destravar os suportes de mola com a linha a frio? Por que é perigoso “testar o paralelismo do flange” soltando os suportes de mola?

É muito comum encontrarmos que quando se soltam as travas dos suportes de mola que se localizam abaixo da turbina, na linha de admissão ou também na linha de escape, os suportes cedam, descendo um certo valor, podendo ocorrer desalinhamento entre os flanges da tubulação e da máquina. Habitualmente se diz, que “o suporte de mola arriou”, e que consequentemente há uma falha de projeto, seja de flexibilidade ou do próprio Suporte de Mola.
Os suportes de mola, por sua característica construtiva, possuem cargas de operação e de instalação diferentes entre si. Como há movimento vertical da tubulação, no caso das turbinas onde há um trecho vertical até o bocal do vapor direto, a mola é comprimida quando o trecho vertical dilata em operação, empurrando e comprimindo a mola, que reage com uma força maior do que a carga de instalação. No quadro abaixo, vemos um exemplo:



 Os suportes de mola são calibrados com um valor diferente do peso que será suportado (Pc é diferente de Ph com o sistema frio), devido ao movimento vertical que a linha apresentará à quente pela dilatação térmica.
Quando fazemos a análise de flexibilidade da linha, projetamos o sistema de modo a enquadrar os valores de forças e momentos atuantes nos bocais da máquina dentro de limites admissíveis exigidos pelo fabricante, segundo a norma NEMA SM-24, em seus primeiro e segundo critérios, para a condição a frio e todos os pontos de carga (plena carga, sem carga, etc.) exigidos pelo fabricante. É importante notar que estes valores admissíveis não são ZERO, ou melhor, eu posso carregar o bocal da máquina e meu objetivo é que esses valores sejam os menores possíveis na condição operacional (mais crítica), e não à frio. Quando desacoplamos a linha do bocal da turbina, os suportes irão cair até atingir o equilíbrio estático. Explicaremos com o exemplo abaixo:


Vamos supor que a força vertical admissível em um bocal é de 500 kgf. No exemplo acima, a frio haverá uma diferença entre o peso da tubulação (Ph=1400kgf) e a carga de instalação (Pc= 1000kgf), diferença esta que está dentro do limite admissível de 500 kgf (resultante de 400 kgf para baixo). Quando a tubulação é desacoplada com os suportes de mola destravados, a linha cairá 40mm até atingir equilíbrio estático. Os suportes mais distantes também apresentarão este tipo de comportamento, que poderão levar, se destravados juntos, há desalinhamentos imprevisíveis da tubulação.

COMO PROCEDER ANTES DO START-UP?

Os suportes de mola devem ser destravados imediatamente antes do sistema entrar em operação como segue:

Os suportes de mola próximos à Caldeira devem ser destravados antes da sopragem da linha

Os suportes de mola próximos à turbina devem ser destravados conforme for o método de sopragem:

a)  Sopragem com flange/contra flange e dispositivo externo (Modo convencional, tubulação desacoplada da turbina):
     Os Suportes de mola devem permanecer travados durante a sopragem e somente serem destravados após conexão da linha na turbina, imediatamente antes do startup.
b)  Sopragem com dispositivo especial na válvula de fecho rápido da turbina (tubulação permanece acoplada na turbina)

     Os Suportes de mola devem ser destravados antes de executar a sopragem e devem permanecer destravados em operação.

NOTA: Sempre destravar os suportes de mola com a linha acoplada à turbina. Na região da casa de força, deve-se destravar na sequência SM mais distante do bocal para SM mais próximo ao bocal (de fora da casa de força para dentro)

IMPORTANTE:   O destravamento dos suportes mola com a linha desconectada da turbina pode gerar translações e/ou rotações imprevisíveis. Os suportes de mola devem ser destravados apenas imediatamente antes do sistema entrar em operação, com as tubulações já acopladas à turbina. Não utilizar os Suportes de mola para alinhar a tubulação com a turbina a frio. Este procedimento resultará na descalibração dos suportes de mola, que obterá equilíbrio estático a frio, porém consequentemente resultará em esforços altos e imprevisíveis nos bocais à quente. Isto é tecnicamente incorreto e poderá acarretar na descalibração dos suportes de mola.

O recomendado, caso seja desejado mover a tubulação para possibilitar a colocação da junta de vedação entre flanges (da turbina e da tubulação) ou alinhar os bocais, é de realizar esse movimento com a mola travada, girando o eixo central do suporte para baixo e/ou para cima conforme for necessário.

Isto se consegue por meio de uma barra redonda encaixando-a nos furos do eixo do suporte logo abaixo do disco superior girando em sentido horário ou anti-horário, conforme for o movimento desejado.

Após isto e com a linha já acoplada à turbina, podemos destravar a mola propriamente dita.

Cuidado com a sopragem de sistemas de vapor

Geralmente o processo de limpeza através da sopragem de vapor se aplica às linhas de vapor direto a fim de limpar a tubulação e assim garantir a integridade da turbina. Este processo é muito negligenciado no Brasil, principalmente no setor sucroalcooleiro. Geralmente o staff envolvido na sopragem é da própria unidade e muitas vezes a sopragem é feita sem critérios técnicos, baseando-se em experiências anteriores ou recomendações dos técnicos do fabricante envolvidos no comissionamento da turbina. A tubulação temporária (também chamada de "dispositivo de sopragem") muitas vezes é feita empiricamente, sem cálculo ou projeto formal.

Os parâmetros adequados de sopragem visam criar uma força de arrastro nas superfícies internas da tubulação muito maior do que a força de arrastro atuante na condição de vazão máxima de vapor durante a operação da turbina. Desta forma garante-se que qualquer sujeira, incrustação ou resquício de solda ou material seja expelida, garantindo a limpeza interna da tubulação. Há critérios técnicos para determinar essa força de arrastro a ser gerada no decorrer da sopragem. Estamos disponibilizando uma das poucas normas existentes sobre o assunto, para esclarecimento e conhecimento destes critérios. Trata-se de uma norma da fabricante General Electric para comissionamento de suas turbinas. Não há nenhuma norma ASME que trate do assunto, portanto geralmente as empresas especializadas em sopragem no exterior utilizam essa norma como critério técnico para obter os parâmetros adequados de sopragem.

GEK 41745B - Agosto/2004

A partir destes critérios, deve-se dimensionar e projetar tais dispositivos de sopragem levando em consideração as condições de temperatura e pressão a serem desenvolvidas durante o processo no dispositivo, bem como outros aspectos. Um deles, e talvez o mais negligenciado é a força que é gerada na extremidade aberta à atmosfera do dispositivo de sopragem, que dificilmente é considerada quando é executado projeto formal do dispositivo de sopragem.

Por se tratar de linha de sopragem, uma de suas extremidades libera vapor à atmosfera. Uma força de reação dinâmica é exercida nesta extremidade devido à alta velocidade de saída e à grande massa de vapor, que pode ser calculada utilizando o método proposto pela General Eletric Co. (GE Power) em sua norma interna GEK-27065D (Cleaning of Main Steam Piping and Provisions for Hydrostatic Testing of Reheaters), através da fórmula abaixo:

F4= W . V4 + (P4-Pa) . A4
            g

Onde:

F4 =          Força de reação (kgf)
W  =          Vazão mássica de vapor durante a sopragem (kg/s)
V4 =          Velocidade de vapor na seção de saída da tubulação de sopragem (m/s)
g    =          Aceleração da gravidade (9,81 m/s²)
P4 =          Pressão de vapor na seção de saída da tubulação de sopragem (kgf/m² abs)
Pa =          Pressão atmosférica (10332 kgf/m² abs.)
A4 =          Área do plano de saída de vapor da tubulação de sopragem (m²)


Observação: A força de reação dada pela equação acima considera regime permanente, excluindo transientes. Durante a sopragem há flutuação da força de reação devido à alta velocidade do vapor e a magnitude desta flutuação varia em função do arranjo físico da tubulação de sopragem. Para expressar a máxima flutuação e encontrar a força de reação atual, um fator de carga dinâmica (D.L.F) é aplicado. Este D.L.F. só pode ser calculado através de métodos complexos, porém normalmente um fator de valor 2 é usado para estimar a força de reação atual. 

Vamos verificar em um exemplo prático a ordem de grandeza dessa força e a importância de um correto projeto da tubulação temporária para sopragem. Um caso recente ocorrido em uma usina envolveu duas vítimas, sendo uma fatal, envolvendo a falha do dispositivo de sopragem que foi projetado e dimensionado incorretamente.

Inicialmente , vale ressaltar que os parâmetros para sopragem foram adotados de forma empírica, utilizando-se da máxima pressão e temperatura da caldeira e sem nenhum parâmetro de controle quanto à vazão do sistema. A pressão atingida no super-aquecedor da caldeira antes da abertura da válvula para sopragem da linha era de 64 bar e a temperatura de 500°C, e uma vazão mássica de 200 t.v/h. A pressão P4, pressão na saída de vapor da tubulação de sopragem é desconhecida, pois não havia nenhum instrumento de medição da mesma na linha. A pressão neste ponto pode ser obtida através de uma criteriosa análise de fluidos compressíveis que leva em consideração todo o arranjo físico da linha, desde a caldeira até a turbina (tubulação permanente), bem como a tubulação temporária desde a turbina até a extremidade de saída do vapor à atmosfera. Tal análise é executada através de softwares C.F.D. (Computational fluid dynamics). A pressão neste ponto é muito menor que a pressão nominal da linha e estamos estimando conservativamente, baseados na literatura sobre o tema, em 3 bar (g) (P4=40332 kgf/m² abs). Observando os cálculos da GEK 41745B, verificou-se que a velocidade ideal para alcançar os requisitos de sopragem é de 245 m/s. Observamos que a vazão de vapor do sistema durante a sopragem é muito alta, portanto a velocidade na região do dispositivo de fixação da chapa de corpo de prova é muito maior do que esta velocidade ideal. Estamos conservativamente adotando esta velocidade ideal de saída do vapor na extremidade da tubulação de 245 m/s (V4). Conforme estas considerações acima citadas, temos:

W  =          55,556 kg/s
V4 =          245 m/s
g    =          9,81 m/s²
P4 =          40332 kgf/m² abs.
Pa =          10332 kgf/m² abs.
A4 =          0,05502 m²

Substituindo em (Eq.1) temos;

F4 = 3038,1 kgf

Considerando um D.L.F de 2, temos F real = 6076,2 kgf

Esta força foi considerada atuando na extremidade aberta do sistema de sopragem. 

O dispositivo foi confeccionado em aço inoxidável AISI 304 com espessura Sch.10S. O sistema foi modelado e a força F4 aplicada na extremidade aberta do sistema, em direção contrária ao fluxo de vapor. O resultado mostrou tensões acima dos limites admissíveis pela ASME B31.3.


Tensões por sustentação. A tensão no ponto A03 é 3.33 vezes maior que a tensão admissível.

O referido dispositivo foi utilizado por vários anos sem problemas ou acidentes, devido à sua utilização ocasional e à baixa pressão atuante, próxima à atmosférica. É importante notar que geralmente não é despendida a atenção necessária para o dimensionamento de sistemas temporários para sopragem  porém se trata de situação que gera riscos consideráveis e, portanto, é fundamental que o dimensionamento do sistema seja rigoroso.